terça-feira, 26 de maio de 2009

Fado

Tive um coração. Perdi-o. No tempo. Nos anos. Na vida. Tive um coração e com ele sabia o que era o amor. O amor que não se encontra nas brumas da escuridão. Aquele tipo de amor ao qual nos entregamos sem medo de perder a dignidade que nos resta. Esse tipo de amor que tu me deste e que tão longe o foste encerrar.
Se ainda estivesses em mim saberias onde se situava o meu coração. Umas vezes no peito, outras vezes na boca. Saberias com toda a certeza porque poderia dizer-te: amo-te, até que me mandasses calar. Até que os teus lábios se enlaçassem nos meus.
Que destino ou maldição me persegue?
Não sei. Sei que o corpo todo me doi. Sinto-me triste e cansado. Velho. E tudo se torna mais claro e evidente porque a vida é mesmo assim.
Tive um coração. Perdi-o. Por entre os dedos como se de cinzas se tratasse. Embora no peito ainda me tenha ficado este jeito de te querer tanto, foram-se os momentos. Ficaram as palavras.
Quem nasce malfadado melhor fado não terá mas, na verdade, ninguém sabe para o que nasce uma pessoa.
Nasce. Vive. Morre.
É simples.
Chorarei meu triste fado até estar exausto. E quando encontrar o meu coração perdido e ele não souber para onde for, peço-lhe que deixe de bater porque eu... eu não vou acompanhá-lo.
Nunca mais.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Mulher Da Vida

Gostava de saber por onde andas tu agora.
Conheci-te tinhas acabado de fazer os vinte anos. Estavas na flor da juventude, tão jovem, tão bela, tão dona de si mesmo que eu acabei por me prender a ti como se fosse a raiz de uma arvore que se agarra à terra. Por pouco não destruiste a minha vida. Quase que me afundaste no mar das incertezas com esse teu olhar fugoso que me fulminava o corpo. E eu, ardia. Ardia por dentro; e quanto mais ardia, mais queria arder. Estava como que enfeitiçado, fora de mim. Tu pussuias o dom de me revitalizar e parecer jovem, parecer ainda belo para os meus quarenta e sete anos de idade. Ainda hoje é um escandalo esta diferença de idades. Tu tens 25. Eu tenho 52. E continuo a desejar-te da mesma maneira, com o mesmo fulgor.
Não sei se ainda és uma prostituta. No meu intimo assim o desejo porque só assim me podes querer. De outra forma eu serei igual aos outros homens que não são teus clientes logo, insignificantes, e tu podes continuar a fingir que também me queres com a mesma intensidade. Se queres saber, ainda continuo casado com a mesma mulher que amo à 30 anos. No início, julguei que fosse uma crise de meia idade esta ânsia de procurar algo refrescante e jovial. Pensei que tinha que provar que era capaz de resistir ás intemperis das hormonas masculinas que, com a idade, se vão revelando cada vez mais escassas. A verdade é que ainda estou louco para te voltar a ver, embora cada dia que passa o Outono se torna mais revelante na minha calvice, nas minhas mão duridas, nas minhas rugas vividas. Mas é assim a lei da vida.
Passo todas as quartas-feiras, à mesma hora, no lugar onde me esperavas. Eu, dentro do carro, aguardava que tu, timidamente, entrasses e levava-te até um qualquer motel decante de Lisboa. Não me importava os sitios onde faziamos sexo. Não me importavam os preliminares, nem mesmo o acto sexual em si. O que eu mais gostava, o que eu tenho mesmo saudades, são dos momentos em que, embriagado na sede de te ter, atingia o extâse máximo do prazer, e no teu corpo jorrava um rio imenso de sémen como se tu fosses o caudal de um rio onde a água desagua e depois repousa. Eu, cansado e extasiado, adormecia sobre o teu corpo, o teu suor unia-se ao meu e deixava-me ali ficar, na tentativa de me manter são e de pertencer a outro jogo que não o da nua e crua realidade. Quando saía de perto de ti, tinha pena de te deixar, de não poder fugir contigo e tinha ciúmes... ciúmes de te entregar a outro desconhecido para uma outra viagem no escuro. Por outro lado, quando chegava a casa, tinha a certeza que ali era o meu lugar. Todas as quartas-feiras eu era o empreiteiro da minha vida que abria uma frecha no vazio, gozava as formas que lhe dava e, depois, como se de cimento se tratasse, voltava a fecha-la, para que não saisse magoado. A minha mulher lá estava à minha espera, como sempre.
Gostava de saber por onde andas e iria gostar de saber que estás feliz. Eu estou, à minha maneira. A felicidade oferece-se nos prazeres que nos são mais intímos, mais secretos. Eu tive a minha dose mas gostava de mais. Sinto a tua falta.
És uma mulher da vida. Sempre o foste e sempre o serás.
Pelo menos para mim.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O Encontro (segundo uma história muito provável)

O telefone tocou e ele apressou-se a responder.

Do lado de lá da linha ela, sempre muito selecta nas palavras que dizia, combinou com ele ás sete e meia em ponto, na rotunda do Marquês de Pombal, e pediu para ele não se atrasar.

Ele desligou e rápidamente abriu o guarda fato para trocar de roupa. Qualquer coisa de casual, cumum, que o fizesse parecer um homem como tantos outros.

Ela pôs-se frente ao espelho, pegou no batôn vermelho sangue que estava em cima do armário e untou os lábios frescos com uma cor viva, quase berrante.

Ele saiu de casa e quase se esqueceu do relógio que estava em cima do micro-ondas. Pegou nos óculos de sol e ajeitou o colarinho da camisa de modo a tapar os pêlos do peito que ele odiava.

Ela vestiu um vestido preto, comprido, e pensou: "Com um vestido preto, eu nunca me comprometo". Depois esboçou um sorriso na cara fina e delicada, fechou a porta sem trancar a fechadura e desceu as escadas.

Primeiro, ele pensou em ir de carro. Mas entretanto, acabou por apanhar o metro. Eram só quatro estações.

Ela subiu a avenida e foi a pé.

Ele chegou eram sete e vinte seis. Estava ansioso. Nunca a tinha visto. Isto da Internet tem muito que se lhe diga. E se ela não era como lhe dissera. Se não fosse como ele a imaginasse?

Ela, enquanto calmamente subia a avenida, pensou que, se calhar, ele não era tão inteligente quanto parecia, tão bonito como dava a entender, se calhar passa por ele, e ele, desapontado, finge que nem a reconhece. Mas que importa? A adrenalina está no desconhecido e depois, muito secretamente, no improvável.

Sete e trinta e três. Ele começou a achar que ela não aparecia.

Ela chegou eram sete e trinta e oito minutos.

E, de repente...
Olharam-se.
Sorriram.
Perceberam quem era um e quem era o outro.

Ele aproximou-se dela.

Ela disse-lhe o nome e deu-lhe um beijo na face.

Ele perguntou:

- E então? Onde vamos jantar?

Esta Noite Vôo Para Junto De Ti

Esta noite vôo para junto de ti.
Apetece-me estar nos teus braços enquanto um Jobim toca no gira-discos. Quero estar contigo porque me apetece e porque é necessário. Extremamente necessário. Vou voar para junto de ti para sentir o teu corpo contra o meu e poder sentir o toque vibrante da tua pele rompendo contra a minha. Tu és assim e sempre serás: uma rebelde constante. E eu... eu gosto dessa tua rebeldia porque muito fácilmente me torno uma presa. Abrigo-me no teu porto e, de repente, as tuas garras fincam a minha carne e deixo-me levar.
Esta noite vôo para junto de ti.
Vou por entre a noite, rasgando o céu e com a certeza de que me vais aceitar porque eu sofro por ti, eu quebro-me por ti, eu morro por ti. E tu... tu sabes isso. Se eu te contar as vezes que ando por Lisboa, à solta, sem rumo, nem vais acreditar. Penso no que fomos, no que somos e naquilo em que nos vamos tornar e a única certeza a que chego é que eu não quero ser esse mendigo da solidão. No entanto, corro para ti com o intuito de alimentar a minha cega esperança. Chego á conclusão que não são as tuas unhas afiadas que me magoam. Aquilo que me fere é muito maior que isso. É o teu desdém.
E ainda assim vôo para ti todas as noites.
Esta noite vôo para junto de ti apesar de não ser o Jobim que vai tocar no gira discos. Isso eu sei. E põe-me triste. Pensares que estás viva, sozinha e feliz. Não te enganes. Esta noite vou para perto de ti para te dizer a cruel verdade sobre as coisas do coração. Sobre aquilo a que os outros chamam de amor.
Sei que vou encontrar outro albúm no teu gira discos e mesmo assim estarei contigo. Sei que vou atrás de ti, tu atrás de outro e esse outro atrás de alguém. E ainda assim estarei contigo. Sei que não são os meus problemas que desta vez vais querer fazer parte e ainda assim, hipotéticamente ou não, estarei contigo.
Porque eu, meu grande amor, sou a única pessoa com quem podes contar.